quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A calcinha branca da gratidão


Há duas semanas, eu estive na Americanas e resolvi comprar aquele amarrado de 3 calcinhas por R$29,90 para usar no dia a dia. São umas calcinhas de quinta, quase descartáveis, daquelas que a gente compra só para jogar fora algumas velhas. Daquelas que a gente não se atreve a usar em, digamos, ocasiões especiais.

Assim que cheguei em casa, eu me dei conta de que uma delas, a branca do meio, tinha uns clichês de fim de ano escritos. Uma coisa bem cafona, mesmo. Fiquei pensando… Imagina se uma mulher compra um amarrado desses, erra, cata a branca e parte para o encontro com um cara de quem ela está muito a fim? Imaginou? Se eu fosse esta mulher, jamais me perdoaria e nunca mais teria coragem de olhar novamente para a cara do homem que, certamente, se surpreenderia ao me ver usando uma calcinha onde se lê a palavra “gratidão”.
Agora, na hipótese de essa mesma mulher sofrer um acidente na rua, finalmente faria algum sentido aquele papo que eu, ela e toda uma geração de meninas ouvimos de nossas mães. Qual papo? O de que não é aconselhável sair de casa usando uma calcinha velha, rasgada, furada sob o risco de passarmos vergonha na hora do socorro. Como se alguém reparasse no estado das peças íntimas de um acidentado... Até imaginei um diálogo:
“Rapaz, tirei uma mulher das ferragens de um carro lá em Brás de Pina que, olha… Tinha que ver o estado”.
“Dela? Do carro?”, questionaria o colega.
“Não, da calcinha mesmo. Que falta faz uma mãe, né?”
Mas um bombeiro surpreendido com um agradecimento silencioso desses ganharia o dia, não ganharia, não? Quer dizer, o cara se mata de trabalhar para ganhar um salário que não está à altura do seu empenho, mas, em compensação, tem seu esforço reconhecido. Um reconhecimento esquisito, eu sei, mas ainda assim, um reconhecimento. Aí, sim, a calcinha branca da gratidão teria uma razão de ser.

terça-feira, 22 de dezembro de 2015

Ponto de ônibus


Sentei no banco do ponto de ônibus, tirei meu celular da bolsa, li a mensagem da minha irmã, no WhatsApp, e o guardei novamente na bolsa. A mulher que estava sentada ao meu lado me cutucou e perguntou se eu poderia emprestá-lo pra que ela pudesse avisar ao marido que estava indo ali, no Méier, pegar um exame. “Esqueci o meu celular em cima da mesa, menina!”, disse. Refleti por alguns segundos e pedi o número dele para que eu mesma ligasse e, quando ele atendesse, pudesse passar para ela. A mulher não gostou muito e imediatamente desmanchou o semisorriso que tinha no rosto. Queria ela mesma fazer a ligação. Ela ainda tentou me convencer dizendo que ligaria a cobrar mesmo, como se esse fosse o motivo da minha preocupação. Eu ainda pensei em dizer que estava sem sinal, mas o 3G da Claro nunca apareceu tão vivo (com trocadilho) e tão brilhante na tela do meu aparelho.

Liguei. O cara não atendeu e eu torci pra que o meu ônibus aparecesse logo. Obviamente ele não apareceu e o homem retornou a ligação. Com o coração na mão, entreguei o celular para ela, tal qual uma mãe entrega o filho para o homem do transporte escolar no primeiro dia de aula na escolinha nova. Malandra que sou, não desgrudei os olhos dela enquanto falava com Mauro, o marido. Ela fazia uns muxoxinhos, nitidamente incomodada com o meu olhar insistente. Eu já estava pronta para correr mais do que Forrest Gump e Usain Bolt juntos se por acaso passasse por sua cabeça tentar me sacanear.
Ela terminou a ligação, me devolveu o celular sem agradecer e entrou no primeiro ônibus que parou no ponto. Exagerei? Talvez, mas não posso me dar o luxo de ter um coração tão puro e livre de qualquer maldade a ponto de confiar nas boas intenções de desconhecidos na rua. Quer mais um motivo? Eu ainda estou pagando o celular, um caríssimo iPhone 6, em suaves e intermináveis 10 prestações.

domingo, 20 de dezembro de 2015

Psysique du role


Hoje cedo, na ida à farmácia, encontrei uma vizinha, uma senhorinha fofinha que é sempre muito carinhosa comigo. Ela virou para mim e disse: “você é tão alta… Nunca pensou em ser… em ser…”. A palavra lhe faltou e eu, mentalmente, comecei a soprar para ela “modelo! Fala que ela devia ser modelo!”, mesmo que isso não faça o menor sentido e eu saiba que nunca tivephysique du role para isso. Eu só queria dar uma inflada no meu ego com uma mentirinha gostosa de ouvir.

Mas, não. Ela completou com “… você devia ser jogadora de basquete, vôlei, essas coisas”. Respondi que nunca cogitei, ela insistiu, disse que eu deveria tentar agora e eu falei que mesmo se quisesse, não rolaria porque passei da idade. Nos despedimos, ela foi para um lado, eu fui para o outro e, na minha caminhada, lembrei de uma teoria que tenho desde sempre: você, garota, que é magra, alta e que ouve muito por aí que deveria seguir a carreira de modelo, sem dúvida, você está ali, naquela escala que vai da exótica/estranha à bela/deslumbrante. Já eu… Bom, não foi por falta de apoio que eu não virei a sucessora da Márcia Fu.

quinta-feira, 17 de dezembro de 2015

Chandler and Monica!

FB

Ok, eu sei que não tenho mais idade pra comemorar o fato de um casal da ficção estar namorando na vida real, mas, hoje, excepcionalmente hoje, eu me permito ter 13 anos. Eu me permito, inclusive, conjugar o verbo "shippar".
Mas qual casal, Rê? Ih, menina, não tá sabendo, não? Corre o boato de que Matthew Perry e Courteney Cox estão tendo um lance! MY EYES! MY EYES!

terça-feira, 8 de dezembro de 2015

Quem gostaria?


Um dos meus primeiros empregos foi como telefonista numa concessionária da Mitsubishi. Certa vez, aconteceu isso aqui, ó:
EU: Mit Rio, boa tarde!
MOÇA: Boa tarde!
EU: Pois não, senhora.
MOÇA: Eu poderia falar com a Cláudia?
EU: Quem gostaria?
MOÇA: Cláudia.
EU: Quem gostaria?
MOÇA: Cláudia.
EU: Quem gostaria?
MOÇA: Cláudia!
EU: Mas quem gostaria?!
MOÇA: A Cláudia! Meu nome também é Cláudia!
Depois de muito tempo, caiu a ficha de que há, sim, mais de uma Cláudia no mundo. E não, esse não foi o único mico que eu paguei lá. Outro dia, quando eu tiver coragem, contarei o outro.

domingo, 6 de dezembro de 2015

Edmar

Há anos – e eu nem sequer sei precisar exatamente desde quando –, recebo em meu celular ligações de pessoas querendo falar com um cara chamado Edmar. É uma coisa chata, insistente e que às vezes me tira do sério.
Eu já lidei com essa inconveniência de maneiras diferentes. Já fui, por exemplo, a paciente do tipo que dizia, com sorriso na voz, “ih, este número não é dele, não… Você deve ter discado errado”. Para você ter uma ideia do quão antigo é este meu pequeno tormento, repare que ele é da época em que a gente ainda usava o verbo “discar” para se referir a chamadas telefônicas.
Depois de um tempo, já cansada das ligações que não paravam de chegar, passei a atender com um seco “é engano”. Esperava a pessoa entender que não ia achar Edmar algum ali, naquele número, e só então eu desligava. Educada. Já bem de saco cheio, mas ainda educada.
Hoje, uso o smartphone muito mais para todas as outras funções do que para fazer chamadas. Logo eu que, na minha adolescência, levava broncas dos meus pais por que vivia pendurada no telefone e fazia as contas aumentarem suficientemente para irritá-los. Hoje, quanto menos telefone, melhor. Uso mais para serviços que não se resolvem pela internet, para marcar consultas médicas e para falar com pessoas mais velhas que preferem preservar antigos hábitos e meios de comunicação. Só. Morro de preguiça quando o meu celular toca, especialmente quando descubro que é alguém a fim de falar com o Edmar.
Antigamente, quando o telefone de casa tocava, eu corria para atender. Hoje em dia, torço para não ser alguém querendo falar comigo. Sim, eu me tornei essa pessoa besta sem motivo algum. Acho que esgotei a minha cota de paciência para falar ao telefone lá nos anos 90. E telefone na madrugada, então? Tenho pavor. É sempre para trazer desgraça, já reparou? Certa vez, todos dormiam aqui em casa, menos eu. Já tinha passado da meia-noite quando o telefone tocou. Tocou uma, duas, três, quatro vezes e somente na quinta eu tomei coragem para atender. Já tinha me conformado com a ideia de ser a mensageira da notícia ruim às pessoas da minha casa. Graças a Deus não era. Era só o meu tio querendo saber se poderia vir aqui para deixar, no nosso freezer, a costelinha de porco que ele tinha comprado para o churrasco da minha avó, que aconteceria no dia seguinte.
Voltando ao Edmar. Quanto mais ligações de pessoas à procura dele eu recebo, mais mal educada eu fico. Às vezes, altero o tom de voz ao dizer “não tem Edmar aqui, não!”. Outras, digo apenas “não é o Edmar” e desligo na cara da pessoa, sem pena, antes mesmo de ouvir um pedido de desculpas ou um insistente “mas esse número não é o tal, tal, tal, tal e tal?”. Tudo depende do meu estado de espírito.
Certa vez, uma mulher ligou, ouviu a minha resposta padrão e, não satisfeita, retornou outras quatro ou cinco vezes, certa de que uma hora, por pura sorte, conseguiria falar com o cara. Na última tentativa, a minha resposta começou com “querida, olha só…”. Nunca mais ela ligou.
Passei uma longa temporada sem receber ligações de gente atrás desse homem. Nem lembrava mais disso. Ontem à tarde, porém, o celular tocou, eu atendi e… “Edmar?”. Revirei os olhos e minha voz feminina deu a dica. Edmar não estava nem estaria em momento algum. A pessoa se desculpou, eu respondi com um desanimado “não foi nada” e a vida seguiu.
Quem é Edmar? Do que vive? Onde vive? Por que tanta gente o procura? Por que ele e seus amigos não se renderam ao WhatsApp? Estará Edmar com o nome sujo na praça? Ou é podre de rico, do tipo que as pessoas recorrem por se acharem merecedoras de alguma ajudinha? Creio que eu jamais saberei a verdade.
Um dia, quando me der na telha, direi que o Edmar deu um pulo no mercado, esqueceu o celular em casa e perguntarei se a pessoa quer deixar recado. Anotarei nomes, telefones e jogarei tudo no Facebook, na esperança de que os recados cheguem ao Edmar certo e de que eu tenha um pouquinho de sossego.
O Edmar? No momento, ele não se encontra. Quer deixar recado?

quinta-feira, 3 de dezembro de 2015

Ô, Ingrid!


Ô, Ingrid!
Ingrid!
Ô, In-gri-di!
Ingrid!
Caraca, cadê essa garota?!
Ingrid!
Ô, Ingrid!
Ingrid!
Ô, In-gri-di!
Essa garota vai ver só uma coisa...
Ingrid!
Ô, Ingrid!
Ô, In-gri-di!
5 minutos depois, a Ingrid, enfim, apareceu. Não é fácil morar ao lado da Ingrid, da mãe da Ingrid, do pai da Ingrid e dos irmãos da Ingrid, não, malandro!


quarta-feira, 2 de dezembro de 2015

A noite passada

É muito doida a maneira com que o nosso cérebro decide o que vai ficar registrado em algum canto a ponto de virar enredo de sonho. Por mais que haja a tentativa de induzi-lo a escolher o que a gente acredita ser capaz de render um sonho bom, ele mesmo se encarrega disso e rejeita qualquer tipo de influência. Comigo, pelo menos, é sempre em vão. Sonho com as coisas mais improváveis, mais prosaicas e mais sem importância que vi ou vivi no dia que antecede a noite de sono ou em alguma fase da minha existência.
Na noite passada, por exemplo, sonhei com a Morena Baccarin. Sonhei que éramos grandes amigas, unha e carne mesmo, e que passávamos uma tarde inteira lá em casa jogando conversa fora. Acordei tentando entender por que raios ela foi parar no meu sonho, já que não assisto “Homeland” há séculos e não tenho o hábito de procurar notícias de Morena por aí. Pensei, pensei e lembrei que, ontem, passei o olho numa matéria que dizia que Morena, grávida, tinha ido com o marido sei lá onde. Pronto, isso bastou. Não cliquei na matéria, li mais nada além disso, mas essa olhadela foi o suficiente para que o meu cérebro registrasse como algo interessante e decidisse que, pelo menos no meu sonho, eu e Morena seríamos melhores amigas. Lembro que a gravidez dela foi uma das pautas daquele nosso papo de comadres enquanto, paralelamente, eu tentava convencer um cara de que o filho que eu esperava era dele.
Além de não fazerem sentido algum, meus sonhos acontecem simultaneamente. Meu cérebro funciona como uma sala de switch com várias telinhas exibindo vários acontecimentos ao mesmo tempo. Na noite passada foi assim. Uma hora eu estava com Morena, em outra eu estava numa conversa tensa com o cara, depois já estava com Morena de novo. O cara, cuja fisionomia eu lembro até agora, provavelmente é alguém com quem eu cruzei, ontem, andando pela rua, ao entrar no ônibus, no elevador do trabalho ou na ida à farmácia. Vai saber… Não, não foi flerte nem nada do tipo. Foi só o meu cérebro que decidiu que aquele rosto voltaria a aparecer para mim em algum momento.
Sonho é uma coisa muito doida, mesmo. É imprevisível e eu não tenho o que fazer para mudar isso. Até me empenho em segurar uma lembrança boa e levá-la aos meus sonhos, mas nunca consigo. Do jeito que as coisas são, é capaz de amanhã ou depois eu chutar um cajá na rua, sonhar que vendo compotas de cajá-manga numa barraquinha lá na Praça XV e que o Flávio Migliaccio é o meu cliente mais fiel.