quinta-feira, 27 de fevereiro de 2014

Tio Birá


Faltava pouco pras 21h quando eu entrei no ônibus. Apesar da hora, ele estava bem cheio e eu fiquei um bom tempo em pé. Vinte minutos depois, mais ou menos, um homem com uma roupa colorida, um chapéu dourado e violão na mão entrou pela porta de trás e foi pedindo licença até a frente do carro porque precisava agradecer ao motorista. Todo mundo ficou um pouco incomodado com aquele cara que passava esbarrando em todos e chamando a atenção. Nós, os passageiros, numa espécie de inconsciente coletivo (com a sua licença, Jung!), o classificamos como chato. Sabe quando as pessoas se olham, não trocam uma palavra, mas sabem que compartilham um mesmo pensamento? Assim mesmo. 

O homem agradeceu ao motorista e se virou pros passageiros como quem tá num palco. Umas caras torcidas de um lado, uns "ih, lá vem..." do outro... Até que ele começou o show diante daquela plateia desanimada e mais interessada em chegar logo em casa. Primeiro se apresentou (Tio Birá, artista de rua), depois agradeceu à compreensão de todos e pediu que nós déssemos passagem à equipe de som, ao Rabiola que iria instalar o telão no fundo do carro e à Kelly, sua assistente faz-tudo que, pelo que eu entendi, é meio incompetente. Tio Birá se dirigia toda hora àquela equipe imaginária e fazia aquilo tão bem, que eu fui a primeira a dar uma gargalhada. "Gente, eu queria que vcs colaborassem com a gente. -- Produção, já pode rodar? --. Então, gente, nós vamos passar ali no telão um vídeo de 5 minutos em que mostramos -- ôôô, Rabiola, o telão não desceu todo! Arruma isso aí, cara... Iiiisso, meu garoto! Aí tá bom -- em que mostramos o nosso trabalho...". Peguei umas 4 pessoas olhando pra trás pra ver se o Rabiola, o telão e a equipe de som estavam mesmo lá. 

Quando ele falou dos efeitos de luz, o motorista deu umas 3, 4 piscadinhas. Pronto. Aí o ônibus em peso gargalhou. A essa altura, Tio Birá já tinha conquistado todo mundo. Depois ele chamou Kelly pra ajudá-lo a preparar o palco para a apresentação da música de sua autoria. A letra dizia: "é bom brincar com você de pique-esconde debaixo do meu edredom". Em pouco tempo, já tinha gente cantando junto, aplaudindo e sem que ele pedisse, pegando dinheiro na bolsa. Menos eu e uma meia dúzia. Fiquei triste porque eu não tinha uma notinha, uma moedinha sequer. Quando ele passou por mim, perguntei se a Kelly tinha a maquininha de débito. Ele disse que não e gritou: "Kelly, esqueceu a maquininha de débito de novo, né?!". Depois desceu. Se eu fosse Kelly, começaria a correr atrás de novas oportunidades.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

O teu cabelo não nega, passista!


O que é que eu faço com esse taxista que tá me forçando a confessar que eu desfilo todo ano pela Portela, gente? Ele tá tão certo disso, que já tô aqui tentando puxar pela memória as lembranças de um desfile que nunca aconteceu. "Com esse cabelo tu não me engana, Renatinha! Ou tu desfila pela Portela ou tu desfila pelo Império." 


domingo, 23 de fevereiro de 2014

Alcinete e Nivalda



Em 1983, as irmãs Alcinete e Nivalda brigaram feio e deixaram de se falar. Cada uma foi pra um canto e nunca mais se viram. Os anos passaram, as redes sociais surgiram e Alcinete, interessada em deixar pra trás toda aquela mágoa, resolveu procurar a irmã na internet. E achou! Alcinete, que hoje vive em Ubatuba, descobriu que Nivalda, moradora de Jandira, também morria de saudade. Tanto é que achou uma foto dela mesma (Alcinete), ainda jovem, no álbum da irmã numa rede social, acompanhada de uma oração, de um breve resumo da história que fez com que elas se afastassem e de um pequeno texto em que ficava clara a vontade de reencontrar a irmã que não via há 30 anos.
O que Alcinete fez? Chorou copiosamente? Curtiu a tal foto? Clicou em "adicionar aos amigos"? Mandou uma mensagem do tipo: "oi, mana! Te achei no face! Cê tá boa? Me add aí! Vamos passar uma borracha em cima daquilo tudo e recomeçar"? Nada! Entrou em contato com o Programa da Eliana e foi aflita para o palco torcer pra que o repórter encontrasse Nivalda no mesmo endereço de 30 anos atrás.

domingo, 16 de fevereiro de 2014

Nota zero em sustentabilidade


Deixei a garrafa d'água enchendo no filtro e fui pro quarto. Arrumei as camas, liguei a TV, pensei na morte da bezerra, varri a casa, entrei na internet, li 3 textos, olhei as redes sociais, vi meus e-mails, saí da internet, pensei de novo na morte da bezerra, dei uma zapeada na TV, parei num canal, peguei um programa pela metade e assisti até o fim, fui no portão, voltei e, 3 horas depois, voltei na cozinha pra fechar o filtro.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

Me chama de Marilyn, meu amor!


Oi, meu nome é Renata, tenho 32 anos, não tenho filhos e, hoje cedo, fiz a Marilyn Monroe na rua. Sensualmente cantei "Happy Birthday, Mr. President"? Não. Morri de overdose de calmantes? Também não. Corri e um vento escroto, cuja procedência eu desconheço, bateu e levantou a minha saia? Ah, mas é claro que sim! Sua cara isso aí, Renata! 

Quer dizer, a gente pede aos céus um pouquinho de vento pra amenizar esse calor e ele resolve vir da maneira mais inconveniente possível.


quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

Dois beijinhos


Sabe quando a gente encontra na rua aquela pessoa que não conhece o bastante pra cumprimentar com dois beijinhos e que uma levantada de sobrancelhas acompanhada de um "oi!" a distância é mais do que suficiente? Encontrei uma dessas agora. E o que foi que eu fiz? Parei a pessoa por impulso, dei dois beijinhos estalados, me arrependi no durante e quis morrer no minuto seguinte.

domingo, 9 de fevereiro de 2014

Pasmanter quem?


MÃE: quem vai ser a Shirley na terceira fase da novela?

EU: a Vivianne Pasmanter.

MÃE: quem é essa?

EU: é uma loira que tá sempre nas novelas do Manoel Carlos.

PAI (quase indignado): Vivianne Pasmanter, Fátima!

EU: sabe quem é, pai?

PAI (convicto): claro que sei!


3 minutos depois...

PAI (apontando pra TV): olha aí a Vivianne Pasmanter, Fátima!


Era a Fernanda Paes Leme no comercial da Petra Pilsen.


sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Queimar a língua


Considere que, por pura distração, você não percebe que a comida está extremamente quente e a manda pra dentro. Imaginou a situação? Se você nunca precisou recorrer à incrível arte de fazê-la flutuar dentro da boca, você não sabe o que é autocontrole, jogo de cintura e elegância. 

Quando, finalmente, resolve engolir a comida, ainda quente, pra acabar com aquela tortura, você sente seu esôfago entregando os pontos. Até uma lagriminha de dor e sofrimento corre discretamente no canto do olho. Mas como é a sua dignidade que está em jogo, você se mantém firme no propósito, sofre calado e evita o vexame público.