Faltava pouco pras 21h quando eu entrei no ônibus. Apesar da hora, ele estava bem cheio e eu fiquei um bom tempo em pé. Vinte minutos depois, mais ou menos, um homem com uma roupa colorida, um chapéu dourado e violão na mão entrou pela porta de trás e foi pedindo licença até a frente do carro porque precisava agradecer ao motorista. Todo mundo ficou um pouco incomodado com aquele cara que passava esbarrando em todos e chamando a atenção. Nós, os passageiros, numa espécie de inconsciente coletivo (com a sua licença, Jung!), o classificamos como chato. Sabe quando as pessoas se olham, não trocam uma palavra, mas sabem que compartilham um mesmo pensamento? Assim mesmo.
O homem agradeceu ao motorista e se virou pros passageiros como quem tá num palco. Umas caras torcidas de um lado, uns "ih, lá vem..." do outro... Até que ele começou o show diante daquela plateia desanimada e mais interessada em chegar logo em casa. Primeiro se apresentou (Tio Birá, artista de rua), depois agradeceu à compreensão de todos e pediu que nós déssemos passagem à equipe de som, ao Rabiola que iria instalar o telão no fundo do carro e à Kelly, sua assistente faz-tudo que, pelo que eu entendi, é meio incompetente. Tio Birá se dirigia toda hora àquela equipe imaginária e fazia aquilo tão bem, que eu fui a primeira a dar uma gargalhada. "Gente, eu queria que vcs colaborassem com a gente. -- Produção, já pode rodar? --. Então, gente, nós vamos passar ali no telão um vídeo de 5 minutos em que mostramos -- ôôô, Rabiola, o telão não desceu todo! Arruma isso aí, cara... Iiiisso, meu garoto! Aí tá bom -- em que mostramos o nosso trabalho...". Peguei umas 4 pessoas olhando pra trás pra ver se o Rabiola, o telão e a equipe de som estavam mesmo lá.
Quando ele falou dos efeitos de luz, o motorista deu umas 3, 4 piscadinhas. Pronto. Aí o ônibus em peso gargalhou. A essa altura, Tio Birá já tinha conquistado todo mundo. Depois ele chamou Kelly pra ajudá-lo a preparar o palco para a apresentação da música de sua autoria. A letra dizia: "é bom brincar com você de pique-esconde debaixo do meu edredom". Em pouco tempo, já tinha gente cantando junto, aplaudindo e sem que ele pedisse, pegando dinheiro na bolsa. Menos eu e uma meia dúzia. Fiquei triste porque eu não tinha uma notinha, uma moedinha sequer. Quando ele passou por mim, perguntei se a Kelly tinha a maquininha de débito. Ele disse que não e gritou: "Kelly, esqueceu a maquininha de débito de novo, né?!". Depois desceu. Se eu fosse Kelly, começaria a correr atrás de novas oportunidades.