sexta-feira, 18 de setembro de 2015

Eu fui!


A minha primeira experiência profissional foi num Rock in Rio. O ano era 2001 (aquele do Carlinhos Brown alvejado com garrafas), eu tinha 20 anos e aquela foi a minha primeira ida à Cidade do Rock. Não, eu não fiz um trabalho glamouroso. Fui para o quiosque de bebidas, mesmo. Foi ali que aprendi a tirar chope com uma destreza que, hoje, nem de longe eu tenho mais.
Lembro que com o avançar da noite, as pessoas vinham cada vez mais tortas trocar suas fichas por bebidas. Lembro dos incontáveis bêbados que pararam ali e propuseram que nós jogássemos tudo para o alto e nos perdêssemos no meio da multidão. Era engraçado. Uma atriz bem conhecida foi uma dessas pessoas. Ela parou e disse: “vamos ser felizes, gente! A vida é muito curta! A vida é uma só!”. Hilária. Mas só dava para dar um perdidinho no nosso chefe de quiosque nas idas ao banheiro, que se já demoravam por conta do tanto de gente que tinha ali dentro, demoravam um pouquinho mais porque a gente se permitia dançar uma música no meio do povo. Era divertido cometer essa infraçãozinha. Eu só tive coragem de fazer isso duas vezes e em ambas voltei cheia de culpa para o quiosque. Voltei quase pedindo para darem baixa na minha carteira profissional alegando justa causa, apesar de aquele nem ter sido um trabalho registrado em carteira.
O meu turno era o da noite e apesar de ter sido bem louco, foi bem legal também. No último minuto do último dia, o chefe do quiosque virou pra gente e disse algo como: “valeu, pessoal, vcs foram 10. Podem levar a bebida que vocês quiserem do quiosque”. Pra quê?! Jamais tirarei da cabeça a imagem de três mulheres se estapeando para levar garrafas… d’água. Tudo bem que água é um bem universal, sagrado e essencial à vida, mas sair no tapa pra levar meia dúzia de garrafinhas é um pouquinho demais, né, não? Mas tem aquele papo de que de graça até tapa na cara, de graça até ônibus errado, não tem? Vai ver elas se valeram disso aí.

quarta-feira, 16 de setembro de 2015

Sauna customizada


Não levei muita fé nessa mudança climática e, excessivamente precavida, vim agasalhada pr'aquele frio da última segunda-feira. Agora tô aqui, na fila do BRT, nesse sol de meio-dia às 8 da manhã, quase desfalecendo dentro dessa minha sauna customizada. Tô entregando os pontos. Tô suando mais do que vendedor de mate na praia, mais do que chaleira e mais do que puxador de escola de samba na dispersão da Sapucaí. Com certeza, em algum canto do universo, tem alguém dando uma gostosa gargalhada da minha cara.

segunda-feira, 14 de setembro de 2015

Bate-papo


Sentei ao lado de um senhor no ônibus, ele olhou pra mim, falou alguma coisa, eu não entendi, mas pra ser educada, disse "pois é". Pensei: "ele deve estar falando do tempo, do trânsito ou de outra obviedade qualquer, né? Melhor eu concordar". Ele acenou negativamente com a cabeça, disse mais alguma coisa e eu, cúmplice, sorri com um vago "é...". Mais uma vez eu não entendi o que ele disse. Na terceira vez, finalmente, eu entendi. Ele estava de fones e conversava com alguém pelo celular. Não era comigo. 

segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Linha de chegada


Sentada ao meu lado, no assento que dá para o corredor do ônibus, estava acomodada uma mulher. Ela segurava a própria bolsa e a mochila do colega que a acompanhava e estava em pé, ao seu lado. Eles conversavam animadamente. Conversavam tão alto, que era impossível não prestar atenção no papo dos dois.
O ônibus estava praticamente todo em silêncio. Só se ouvia as vozes deles. Arrisco dizer que metade dormia e metade fingia dormir para acompanhar a conversa. Eles falavam sobre um conhecido em comum. Falavam mal, muito mal. Riam, debochavam, mas tinham compaixão também. Malhavam, malhavam, malhavam, aí quando percebiam que tinham malhado demais e a consciência parecia pesar, mudavam o tom. Para a dupla, o tal cara era patético, exagerado e verdadeiramente digno de pena, tudo ao mesmo tempo.
O mais triste de acompanhar uma conversa de pessoas que não fazem a menor questão de deixá-la privada, é não poder emitir opinião. Só me restou guardar a minha na minha cabeça e promover lá dentro um debate cheio de argumentos brilhantes, de contestações, cheio de réplicas e tréplicas que sequer ousariam furar o bloqueio e entrar onde não foram chamados.
Os dois estavam nessa de descer a lenha no pobre coitado, até que o homem da mochila, de repente, travou. Não conseguia de jeito nenhum concluir um raciocínio. Faltava uma palavra que sintetizasse o que ele queria dizer. Sabe quando a gente não consegue ir adiante no papo, quando a gente empaca e não sossega até lembrar a palavra certa, aquela que faz a história ter mais sentido? Era isso. Ele estava angustiado, tenso. Parecia que a sua vida dependia daquela palavra que não vinha de jeito algum. O pior de tudo é que eu sabia o que ele queria dizer. Eu tinha a palavra na ponta da língua. Eu bem que tentei usar o poder da mente para fazê-lo lembrar, mas, infelizmente, não fui bem sucedida na minha tentativa.
A palavra que ele queria lembrar era “perseguido”. Não tenho a menor dúvida de que era essa mesmo e mostrarei o porquê de tanta certeza. Ele disse: “não, tudo bem que várias merdas aconteceram, mas eu acho que ele exagera. Ele tem muita pena de si mesmo, se acha meio… meio…”. A mulher chutou algumas:
- Vítima?
- Não.
- Coitado?
- Não.
- Sofrido?
- Não… Sabe quando a pessoa acha que tudo acontece com ela, só com ela, que os outros pegam no pé só dela, que o mundo conspira contra ela?
- Então! Se faz de vítima.
Não era. Ele queria “perseguido”. Ela não acertou e o papo continuou, porém com o homem da mochila desanimado, totalmente desinteressado. Ele tinha perdido o barato de seguir em frente. A mulher falava e ele só respondia“aham, aham”“sei…” e “pois é”. Não estava nem aí para o que ela dizia. Ele estava nitidamente tentando puxar pela memória a palavra fujona que o tinha deixado na mão.
Torço para que ele, em algum momento do dia, lembre de “perseguido”, mesmo que o papo sobre o cara patético, exagerado e digno de pena já não interesse tanto a colega do ônibus. Torço para que ele a diga em voz alta, esteja onde estiver, mesmo que pareça louco e seja incompreendido por falar palavras soltas por aí. É libertador. Esta é daquelas pequenas e bobas alegrias que fazem a gente ter um orgulho danado de si mesmo. É como completar uma prova de atletismo e esperar pelo lugar no pódio, pela medalha e pelos aplausos no final. Só não tem o pódio, a medalha e os aplausos no final, mas é igualzinho.

sábado, 5 de setembro de 2015

O golpe do falso sequestro


Eu e o Fil estávamos na casa da Thaisinha quando o telefone de lá tocou. Era uma daquelas ligações de falso sequestro. O que nós fizemos: caímos feito patinhos? Não! Desligamos na cara do falso sequestrador? Também não! Alimentamos a conversa, entramos nos personagens, demos um nome ao sequestrado e viramos o jogo? Mas é claro que sim! 

Depois de muito nos descabelarmos com o sequestro de Fábio, de termos convencido o sequestrador a deixar que o resgate saísse por R$20 mil e não mais por R$50 mil, finalizamos a encenação com um áudio do Sergio Mallandro e seu irritante "Rá! Pegadinha do Mallandro!", que catamos no YouTube. O sequestrador desistiu do resgate, desligou, nós rimos muito, o telefone voltou a tocar, mas aí não atendemos mais porque, né? Tudo tem limite e uma hora a zoeira tem que acabar. Mas que agora tem um bandido muito puto num Bangu 2 desses da vida, a gente não tem dúvida.

quarta-feira, 2 de setembro de 2015

Você não é todo mundo


DANI: hoje tá frio, Milena. Você vai de calça comprida.
MILA: mas eu tô com calor, mãe... Deixa eu ir de bermuda pra escola, mãe, por favor!
DANI: não.
MILA: mas todo mundo vai de bermuda, mãe! Todas as minhas amigas!
DANI: você não é todo mundo.
MILA: mas, mãe...
DANI: tá, pode ir de bermuda. Mas você vai de casaco.
MILA: ah, mãe!
DANI: Milena!
MILA: tá bom.

40 minutos depois, na porta da escola...

DANI: olha lá, Milena, a sua amiga. Tá vendo? Ela tá de calça comprida.
MILA: eu não sou todo mundo, mamãe.