segunda-feira, 10 de novembro de 2014

Os 80 anos de Dona Miúda

A Beth e a minha mãe trabalharam juntas durante muitos anos e são amigas há quase 40. Elas mantêm contato e se frequentam até hoje.
Beth é uma mulher de 61 anos, viúva, sem filhos e cheia de filhos. Explico: ela não gerou, mas criou e ainda ajuda a criar os dos irmãos (na verdade, dos primos, já que é filha única), sobrinhos e sobrinhos-netos. É daquelas mulheres fortes que conduzem a família com dedicação e amor bonitos de se ver. Acho que todo mundo conhece pelo menos uma.
As festas da família dela são sempre animadas e muito fartas. Minha mãe vai a praticamente todas. Meu pai, que não é bobo, vai também. Eu só tinha ido ao aniversário de 1 ano da Camile, uma de suas sobrinhas-netas. Lembro que fomos com a Milena – na época, um bebê de pouco mais de 1 ano, e que era uma máquina de fazer xixi.
Como sempre faz, a Beth ligou para a minha mãe e a convidou para ir à festa de 80 anos de sua tia. O convite foi feito por telefone e oficializado com um cartão que chegou via Correios poucos dias depois. Beth é a resistência. Ela não se entregou de vez à era digital e não está nem aí pra isso.
Eu só tinha ido ao aniversário da tal sobrinha-neta. Este ano, sei lá por que razão, resolvi ir de novo a uma comemoração da família dela. Mentira, sei, sim. Milena estava com o pai, Daniele tinha saído com o Alex e eu, que não tinha planejado sair com ninguém para canto nenhum, não estava a fim de ficar sozinha em casa. Então eu decidi: iria também à festa de Dona Nilceia, a Dona Miúda para os íntimos. E lá fomos nós, eu, meus pais, a Vera (outra amiga de trabalho) e a Kátia, irmã da Vera, rumo a Bangu que, ironicamente, estava bem fresquinho naquele sábado insuportável de tão abafado. Um mito caiu: o bairro mais quente do Rio teve uma noite bem agradável.
Fomos os primeiros a chegar. As mesas ainda estavam sendo montadas e Dona Miúda já estava lá, toda elegante com o seu vestido lilás aguardando ansiosa a chegada dos convidados. E como eles demoraram a aparecer… Dona Miúda, coitadinha, não conseguia disfarçar a tensão. Pouco depois, ela veio até a nossa mesa e disse: “vocês não vão ver o meu bolo, não? Ele está tão bonito…” Que mancada a nossa… Chegamos e não fomos ver a mesa cuidadosa preparada para celebrar o aniversário dela. Panos roxos e lilases no painel ornavam com o seu vestido. O bolo também era lilás e sobre ele, uma boneca pretinha com agulhas de tricô nas mãos dava o toque final. Dona Miúda deu uma gargalhada e falou: “Eu gosto de fazer tricô enquanto estou vendo televisão”.
Elogiei o vestido e ela disse: “gostou? Eu achei muito comprido”. Ele batia nas canelas, mas Dona Miúda, danadinha, queria mesmo que batesse na altura dos joelhos. Falou também que não gosta de vestidos e que o único que tem é aquele que estava usando. “Meu negócio é blusa e saia”, disse. Mais tarde, ela voltou à nossa mesa, quis saber se estávamos sendo bem servidos e nos contou que não sabe cozinhar para pouca gente. Pensei até que ela tinha preparado tudo o que tinha na festa, mas não. Dona Miúda não sabe fazer pouca comida no dia a dia. Depois eu entendi por quê.
Os outros convidados chegaram praticamente juntos. De uma hora para a outra, todas as mesinhas foram ocupadas. Vans e mais vans paravam na porta e deixavam familiares e amigos vindos de Santa Cruz. E as crianças? Nossa, elas pareciam brotar do chão. A Beth fez questão de apresentar um por um. Minha mãe disse que é sempre apresentada a toda família, mas, no ano seguinte, já não sabe mais quem é quem.
Conheci a Elaine, o Maycon, o Gustavo, a Camile (a da festa de 1 ano), o Renan (que tem 14 anos e 1,78m), o bebê Miguel (que amou puxar o meu cabelo), a Carla, o pai da Carla, os avós da Camile, a Fernanda… Só consegui guardar estes nomes. O pai da Carla e os avós da Camile foram apresentados assim mesmo. Não sei como eles se chamam.
Sabe gente feliz? Assim é a família da Dona Miúda. Enquanto as crianças se divertiam no pula-pula, os adultos conversavam, dançavam e riam em todos os espaços da casa de festas. Tinha tanta bebida, que cheguei a lamentar por não gostar de cerveja. De qualquer forma, os antibióticos que eu estava tomando me impediriam de pôr álcool na boca.
O DJ Miguel caprichou no repertório. Botou as velhinhas para dançar ao som de Anitta, Jovelina Pérola Negra, Léo Jaime, James Brown e outros artistas. Vi a Beth dançando e fiquei hipnotizada. A mesma dancinha servia para todos os ritmos. Sempre que a minha mãe vai nas festas organizadas por ela, eu lembro daquela música da Angélica que rima Bete com sete e basquete. De repente eu estava lá, na festa da Beth, vendo a Beth dançar. Emoção demais para o meu coração.
O que amigas de tantos anos fazem quando se encontram depois de muito tempo sem se ver? Relembram os velhos tempos, riem, falam da família, dos antigos colegas, quem morreu, quem ainda está vivo, quem pirou e, entre outras coisas, quem anda sumido. Minha mãe quis saber por onde anda a Marlene. Vera e Kátia disseram que ela mora ali, na Dom Hélder Câmera, e anda com uma ideia fixa: arrumar alguém, uma companhia. Pensei: ah, que legal! A Marlene não desistiu do amor”. Que nada! Vera disse que ela quer alguém para pagar a luz, a água… quer alguém para ajudar a pagar as contas porque sozinha não está dando.
Minha mãe não desiste do plano de me casar a qualquer custo. Jura que não tem essa intenção, mas sempre que tem uma oportunidade, dá um jeitinho de me empurrar para os filhos das amigas. Na festa, ela perguntou tantas vezes para a Vera como estava o filho dela, que eu até já sei: Rodrigo tem 37 anos, ficou um ano casado e não quer saber de filhos. Ela perguntava, ficava com um sorrisinho de canto de boca e me olhava de rabo de olho como se quisesse dizer: aproveita, boba!” Mudei de assunto em todas as vezes para que ela entendesse o meu recado e desistisse de me casar com o cara. Eu quase falei que pretendo ter 4 filhos e que não abro mão disso para acabar logo com aquele papo.
Sou muito fã da Beth. Ela é naturalmente engraçada e eu acho que não se dá conta disso. Disse que cata latinhas nas festas para levar para não sei quem, não sei onde e é criticada pelos sobrinhos, que dizem que isso é coisa de pobre. A resposta ela já tem na ponta da língua: “e eu sou rica, por acaso? Sou pobre mesmo! Eu, hein!” Amo a Beth. Depois, ela mandou a Carla distribuir as lembrancinhas das crianças e dos adultos. Para elas, um sacolinha com um Guaracamp, um copo bonitinho, balas, biscoitinhos e guloseimas de todos os tipos. Para nós, uma tulipa e uma toalha bordada.
A Beth me confidenciou baixinho que a pessoa que bordou as toalhinhas errou em metade delas. Comeu um ‘i’ e pôs um acento agudo que não existe no nome de batismo de Dona Miúda. Minha mãe ganhou a errada: Nilcéa. Eu tive sorte e ganhei a certa: Nilceia.
Infelizmente, não tirei uma foto com a aniversariante do meu celular. Só saí na que o Renan tirou quando ela foi de mesa em mesa. Quando meu pai pediu para posar ao seu lado, Dona Miúda, topou e depois disse: “deixa eu ver como ficou o retrato, meu filho”. Viu, aprovou e foi falar com outra pessoa.
Às 23 horas, a festa seguia animadíssima, mas como moramos longe e estávamos lá desde as 19, resolvemos voltar para casa. Ela lamentou, tentou nos comprar com docinhos, mas estávamos mesmo decididos a ir embora. Parabenizamos pela família linda e feliz, elogiamos a festa e ela se adiantou: nos convidou para o seu aniversário de 90 anos. Está certo, então. Convite feito, convite aceito. A gente se vê em 2024, Dona Miúda!

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