sexta-feira, 11 de março de 2016

Mamãe sabe tudo

Sovereign Outlet Store FB

Durante um ano, trabalhei em Niterói. Ir e voltar para casa era uma odisseia sem fim. Todos os dias, eu atravessava a baía de barca — às vezes a bordo da nova, às vezes a bordo da velha, que levava o dobro do tempo para deixar os passageiros do outro lado. A gente envelhecia lá dentro. Todos os dias, preocupada, a minha mãe me ligava para informar que tinha dado na TV que a Ponte estava engarrafada, que tinha acontecido um acidente na Ponte, que a Ponte tinha sido fechada para balanço, que alguém tinha se jogado da Ponte... E todos os dias eu dizia para ela que eu não ia para o trabalho pela Ponte.
Um dia, a barca em que eu estava bateu nas pedras. Um susto. Foi um tumulto danado porque nós, os passageiros, tivemos que aguardar uma autorização, que demorou uma vida, para desembarcarmos com segurança. Cheguei atrasada no trabalho e tudo. Deu em tudo quanto foi emissora de TV e de rádio. Indignada, liguei para casa.
EU: Mãe, você não soube o que aconteceu hoje, não?
MÃE: O quê?
EU: Da barca que bateu nas pedras.
MÃE: Ah, sim! Vi, sim. Deu no jornal.
EU: Eu tava nessa barca.
MÃE: Tava, né?
EU: Tava.
MÃE: Ah...
EU: Não me ligou por quê?
MÃE: Porque eu sabia que você tava bem.

quarta-feira, 9 de março de 2016

Guilérme

Skate of gear FB

Tem uma mulher conversando altíssimo com um cara ao celular. Ela dá um jeito de citar o nome dele em todas as frases. Não escapa uma. Só tem um problema: ela o chama de Guilérme. É Guilérme pra cá, Guilérme pra lá... Ela diz "Guilérme" com tanta convicção, dá tanta ênfase ao "lér", que eu suspeito que o nome do cara seja esse mesmo, sem dígrafo. 

Eu adoraria ver o RG de Guilérme... Queria saber se Guilérme é Guilérme mesmo. Capaz de ser por que joguei o nome na busca do Facebook e achei alguns xarás dele. Veja só você... Eu aqui, crente que Guilérme era uma exclusividade da senhora do ônibus, quando, na verdade, o dígrafo do nome caiu e eu nem fiquei sabendo. Tsc. Mas, ó, vou te dizer uma coisa. É muito mais gostoso falar Guilérme do que Guilherme, viu? Faz um teste aí. É tipo "dibre" e "felomenal". Eu, por exemplo, sempre dou uma rateada quando resolvo falar "fenomenal", rateada semelhante àquela que todos nós damos quando precisamos dizer se é crédito ou débito. Culpa do Giovanni Improtta.

domingo, 6 de março de 2016

Made in Frankfurt


Eu já vi e ouvi de tudo nessa vida. Já vi americano indignado com o fato de eu ser preta, brasileira e carioca, mas não ser passista de escola de samba. Já vi carteiro pensando que eu era "de menor" e, por isso, incapaz de assinar para receber uma correspondência, quando, na verdade, eu já era uma jovem senhora de trinta e poucos anos. Ontem, eu e a Thaisinha, minha amiga, estávamos indo ao teatro quando uma mulher...

MULHER: Você é muito grande!
EU: Pois é...
MULHER: Tá de salto?
EU: Tô, tô de salto.
MULHER: Ih, a outra também é grande!

THAISINHA: É...
MULHER: De onde vocês são?

EU: Hã?
MULHER: De onde? Vocês são daqui mesmo?

EU E THAISINHA: Somos.
MULHER: Ah... Na Alemanha é que as pessoas são altas assim.


Ela ainda perguntou pra onde estávamos indo. Quase falei que estávamos esperando um Uber Black que nos levaria a Frankfurt, onde vovô e vovó Dietrich ainda vivem, produzem o melhor chucrute da região, cultivam abóboras gigantes e assim preservam nossas raízes germânicas. Altas, logo alemãs. Echt?

sexta-feira, 4 de março de 2016

A língua dos emojis

The next web FB
BIA: Me ajuda aqui rapidinho?
ANA: Com o quê?
BIA: Com isso aqui, ó. O que eu respondo?
ANA: Cadê o restante da mensagem?
BIA: Ainda não tive coragem de abrir.
ANA: Quem é ela?
BIA: É a namorada de um amigo meu. Gente boa, só que, pelo visto, me escolheu pra desabafar.
ANA: Ih…
BIA: Pois é.
ANA: Abra logo a mensagem!
BIA: É?
ANA: É.
BIA: Tá.

ANA: E aí?
BIA: Textão! Ela me mandou um textão-desabafo. Olha!
ANA: É, é um textão-desabafo mesmo.
BIA: Viu? E agora?
ANA: Deixa eu pensar…
BIA: Gosto dela, acho que ela tá certa, mas eu não quero me meter na briga deles, sabe?
ANA: Sei…
BIA: O que eu faço?
ANA: Manda emoji.
BIA: Só isso?
ANA: Só.
BIA: Qual?
ANA: Aquele aflitinho.
BIA: Qual é o aflitinho?
ANA: Aquele com os dentinhos serrados assim, ó. Aflitinho.
BIA: É?
ANA: É. Você não deixa no vácuo, demonstra alguma solidariedade, mas também não se compromete.
BIA: Quantos? Um?
ANA: Não, um vai parecer descaso. Manda… Sei lá, manda quatro. Não, quatro, não! Manda três.
BIA: Três?
ANA: Isso. Três é um bom número.
BIA: Mandei.

BIA: Ai, meu Deus, ela respondeu…
ANA: Outro textão-desabafo?
BIA: Não, esse é menor. Mas continua falando mal dele.
ANA: Deixa eu ver.
BIA: E agora?
ANA: É, agora você vai ter de escrever alguma coisa.
BIA: O quê?
ANA: Uma coisa meio vaga. Fala que fica triste com isso e que torce pra que tudo fique bem entre eles e tal. Por aí.
BIA: Vê se isso aqui tá bom.
ANA: Tá, mas manda um emojizinho no final.
BIA: Esse aqui?
ANA: Coraçõezinhos nos olhos? Sorrindo? Não! Bota o da boquinha tortinha de quem diz “poxa, eu não queria ver vocês brigando assim… Tô chateada com isso”.
BIA: Qual? Esse aqui?
ANA: Esse mesmo.
BIA: Tá.
ANA: Diz também que vai ficar tudo bem e bota mais um emojizinho de… tem emoji de figa?
BIA: Acho que tem. Deixa eu ver.
ANA: Tá.
BIA: Tem, não. Serve o das mãozinhas pro céu?
ANA: Entende porra nenhuma de emoji, né? Esse é de “obrigada, Deus!”, “graças a Deus!”, “se Deus quiser!”, “Deus no comando!”.
BIA: Mando qual, então?
ANA: Manda o das mãozinhas postas, em prece.
BIA: Tá. Tô rezando pra eles ficarem bem, né?
ANA: É.

BIA: Ih… Ela disse que não tá a fim de papo com ele, não. E agora?
ANA: Agora você tem de mandar o emoji tristinho. Manda uns 3. Nada mais além disso e assunto encerrado.
BIA: Esse aqui, né?
ANA: Chorando copiosamente? Tá doida? É o tristinho, o cabisbaixo! É o emojizinho derrotado, menina! Esse aqui, ó.
BIA: Mandei.

BIA: Ela respondeu.
ANA: O quê?
BIA: Mandou emoji mandando beijinho.
ANA: Com ou sem coração?
BIA: Com.
ANA: Quantos?
BIA: Três.
ANA: Ótimo! Pronto. Resolvido.

BIA: Cacete…
ANA: O que foi? Outro textão?
BIA: Não. Mandei o print da minha conversa com ela… pra ela. Errei a janela! Errei a janela! E agora?
ANA: Tá com a janela aberta?
BIA: Tô. Por quê? O que eu faço?
ANA: Se estiver num andar bem alto, pula!

terça-feira, 1 de março de 2016

Minha melhor companhia

BradHallArt Blog FB
Certa vez, uma colega de faculdade fez aniversário e resolveu fazer um churrascão em casa para comemorar. Ela chamou os colegas mais chegados, aqueles que, todos os dias, voltavam no mesmo ônibus rumo a Madureira e que durante todos aqueles anos souberam se manter unidos. Todos confirmaram presença, todos deram certeza de que iriam. Eu, tola, acreditei e lá fui eu pr’aquele que seria um dos dias mais constrangedores e em que mais exercitei a minha autopiedade de toda a minha existência.
Quando cheguei, a festa já estava rolando. Fui cumprimentar a colega aniversariante e sua família. Olhei para os lados e não vi um rosto conhecido sequer. Pensei: “estão a caminho, certamente”. Não estavam. Com o passar do tempo, eu tinha cada vez mais certeza disso. A aniversariante sacou a cilada em que me meti e, fofa, ficou um tempinho ali me fazendo companhia, mas como eu tenho bom senso, dei um tapinha nas costas dela e a liberei para circular pela própria festa.
Fiquei num cantinho, num esforço fora do comum para manter intacto um sorriso que dava a entender que eu me bastava e era a minha melhor companhia. Obviamente não convenci a colega, que tratou de me colocar sentadinha na mesa de uma amiga dela que eu conhecia de vista. Nesta mesa, a “amiga que eu conhecia de vista” estava acompanhada dos amigos dela. Eles riam, brincavam entre eles e eu ali, invejando toda aquela harmonia. Tão logo a aniversariante se afastou da mesa, a “amiga que eu conhecia de vista”, sem cerimônia alguma, sentou-se completamente de costas para mim. Não fez o menor esforço para me entrosar com a turma dela e preferiu me excluir totalmente da rodinha. Realmente não fazia muito sentido eu estar ali, mas, poxa… desnecessário.
Se fosse hoje, eu recorreria às redes sociais, mas como naquela época ainda não existiam smartphones, continuei relegada. Mas não por muito tempo! Peguei meu Sony Ericsson e fantasiei toda uma conversa, coisa que eu, modéstia à parte, sei fazer muito bem. Simulei pausas para que a pessoa imaginária pudesse falar, gesticulei tudo que eu pude, ri, dei bronca, enfim, fiz tudo o que a minha imaginação permitiu. Sim, eu me prestei a esse tipo de coisa. Foram 45 minutos de muito autoconstrangimento, mas eu sabia que somente uma conversa animada ao telefone impediria que alguém ficasse sem graça, incomodado mesmo de me ver ali, sozinha. Foi o jeito que encontrei de não me sentir tão avulsa. Além do mais, de uma maneira ou de outra, eu estava acompanhada.
Encerrei a conversa imaginária e fui embora, sob protestos fingidos da aniversariante e com a desculpa de que eu tinha outra festa para ir. Quem nunca mandou essa desculpa, que atire o primeiro cajuzinho. Mas por que protestos fingidos, Renata? Porque ao ir embora, eu fazia um favor enorme para nós duas. Não que ela não me quisesse ali, na festa dela. É que ter de me dar tanta atenção já estava exaustivo demais.
Fui para casa fuzilando mentalmente cada um dos meus amigos canalhas que me deixaram passar aquele papelão e estou até hoje esperando a conta do falso telefonema, que pela duração, deve ter sido os olhos da cara.
Ah, se você me vir na rua falando animadamente ao celular, desconfie. Pode ser fingimento.

domingo, 28 de fevereiro de 2016

Experiência de quase-morte

Morri, fui para o céu, voltei e agora estou aqui para contar a minha experiência de quase-morte. Não, não foi bem assim. Tô exagerando, claro, mas a sensação foi quase essa.
Certo dia, lá pelos anos 90, fui com a minha mãe até um laboratório, no Méier, tirar sangue para uns exames de rotina. Tirar sangue não é uma coisa simples para mim. Já tentei doar algumas vezes, mas sempre sou rejeitada por ter veias difíceis, incapazes de suportar as agulhonas dos hemorios da vida.
Há 20 anos, eu não encarei a tal agulhona, mas precisava tirar um tubinho de sangue. Naquela época – eu devia ter uns 14 anos –, tirar sangue era sinônimo de sofrimento. E lá fui eu, em jejum, suando frio e com o coração quase pulando para fora, tamanho era o meu desespero. Mas eu não tinha escolha. Não sairia dali sem encher aquele tubinho do pânico.
Entrei na salinha como quem vai ser torturado, sacrificado e sem direito a um último pedido. Fui morrendo de medo, mas fui. Sentei na cadeira e olhei para o lado oposto para tentar me poupar de um sofrimento ainda maior. Agulha cravada no braço e eu ali, tentando resistir enquanto podia. Senti a agulha sendo retirada e o alívio, instantaneamente, tomou conta de mim. Mas não durou muito. O tubo estava vazio e a enfermeira, muito pacientemente, disse que era difícil coletar o meu sangue porque tenho uma tal de “veia bailarina”, que não para quieta. Era só o que faltava eu ter uma veia aspirante ao Bolshoi… Ela tentou mais duas, três vezes e nada. Só na quarta, quando eu já estava prestes a entregar os pontos, que a mulher, enfim, conseguiu convencer a Baryshnikov a baixar a guarda e permitir que meu sangue cruzasse fronteira rumo ao desconhecido.
Era dezembro e fazia um calor dos infernos. Saímos do laboratório e eu, assim que pus os pés na rua, comecei a me sentir mal. Senti que poderia cair a qualquer momento. Lembro de ter me apoiado na minha mãe e de ouvi-la dizer algo como “vamos ali comer alguma coi…” e apaguei. Nada mais me lembro™.
A tal da experiência de quase-morte a que me referi no início do texto começa a partir daqui. Voltei do desmaio com a cabeça entre as pernas, sentada num banco, com um altar na minha frente, ouvindo louvores e com uma gente desconhecida me ladeando. Quem não teria certeza de que foi dessa para uma melhor num cenário desses? Nos primeiros segundos do pós-desmaio, eu não tinha a menor dúvida de que estava na fila para autenticar a papelada que me daria livre acesso ao Paraíso. Mas, não. Era só uma daquelas igrejinhas de galeria comercial que, à primeira vista, parecem tudo, menos igrejas. É capaz de uma pessoa entrar por engano, crente (com trocadilho) que está numa loja de produtos de informática, e sair com uma hora marcada numa sessão de descarrego.
Ergui a cabeça, minha mãe me ofereceu um copo d’água e eu, apesar de fraca, só queria sair dali. Mas não foi isso o que aconteceu… Alguém me pegou pelo braço, me levou para a frente da igreja e me sentou numa cadeira no altar. Ao meu lado, duas outras pessoas também estavam sentadas. Elas estavam numa espécie de transe e falavam línguas. A essa altura, o medo da agulha era nada perto do pavor de ser incorporada por uma entidade zombeteira.
Um homem pôs a mão na minha cabeça e pediu que eu fechasse meus olhos. Eu disse que já estava bem, que não precisava daquilo. Ele insistiu e eu, para me livrar logo daquilo, fechei apenas um dos olhos porque queria ficar bem acordada. A expressão “um olho no padre e outro na missa” nunca fez tanto sentido para mim quanto daquela vez.
Minha mãe agradeceu toda a igreja pelos cuidados prestados, me catou rapidamente pela mão, fizemos um “paz do Senhor” ligeiro e lá fomos nós fazer o nosso abençoado, sagrado, divino lanchinho, na santa paz de Deus. Amém? Amém!

Oscar na G̶N̶T̶ TNT

TNT FB

Do quarto, meu pai pergunta:
PAI: Tá vendo o TNT?
EU: GNT.
PAI: TNT?
EU: GNT!
PAI: TNT? Ué, a transmissão tá diferente!