Há anos – e eu nem sequer sei precisar exatamente desde quando –, recebo em meu celular ligações de pessoas querendo falar com um cara chamado Edmar. É uma coisa chata, insistente e que às vezes me tira do sério.
Eu já lidei com essa inconveniência de maneiras diferentes. Já fui, por exemplo, a paciente do tipo que dizia, com sorriso na voz, “ih, este número não é dele, não… Você deve ter discado errado”. Para você ter uma ideia do quão antigo é este meu pequeno tormento, repare que ele é da época em que a gente ainda usava o verbo “discar” para se referir a chamadas telefônicas.
Depois de um tempo, já cansada das ligações que não paravam de chegar, passei a atender com um seco “é engano”. Esperava a pessoa entender que não ia achar Edmar algum ali, naquele número, e só então eu desligava. Educada. Já bem de saco cheio, mas ainda educada.
Hoje, uso o smartphone muito mais para todas as outras funções do que para fazer chamadas. Logo eu que, na minha adolescência, levava broncas dos meus pais por que vivia pendurada no telefone e fazia as contas aumentarem suficientemente para irritá-los. Hoje, quanto menos telefone, melhor. Uso mais para serviços que não se resolvem pela internet, para marcar consultas médicas e para falar com pessoas mais velhas que preferem preservar antigos hábitos e meios de comunicação. Só. Morro de preguiça quando o meu celular toca, especialmente quando descubro que é alguém a fim de falar com o Edmar.
Antigamente, quando o telefone de casa tocava, eu corria para atender. Hoje em dia, torço para não ser alguém querendo falar comigo. Sim, eu me tornei essa pessoa besta sem motivo algum. Acho que esgotei a minha cota de paciência para falar ao telefone lá nos anos 90. E telefone na madrugada, então? Tenho pavor. É sempre para trazer desgraça, já reparou? Certa vez, todos dormiam aqui em casa, menos eu. Já tinha passado da meia-noite quando o telefone tocou. Tocou uma, duas, três, quatro vezes e somente na quinta eu tomei coragem para atender. Já tinha me conformado com a ideia de ser a mensageira da notícia ruim às pessoas da minha casa. Graças a Deus não era. Era só o meu tio querendo saber se poderia vir aqui para deixar, no nosso freezer, a costelinha de porco que ele tinha comprado para o churrasco da minha avó, que aconteceria no dia seguinte.
Voltando ao Edmar. Quanto mais ligações de pessoas à procura dele eu recebo, mais mal educada eu fico. Às vezes, altero o tom de voz ao dizer “não tem Edmar aqui, não!”. Outras, digo apenas “não é o Edmar” e desligo na cara da pessoa, sem pena, antes mesmo de ouvir um pedido de desculpas ou um insistente “mas esse número não é o tal, tal, tal, tal e tal?”. Tudo depende do meu estado de espírito.
Certa vez, uma mulher ligou, ouviu a minha resposta padrão e, não satisfeita, retornou outras quatro ou cinco vezes, certa de que uma hora, por pura sorte, conseguiria falar com o cara. Na última tentativa, a minha resposta começou com “querida, olha só…”. Nunca mais ela ligou.
Passei uma longa temporada sem receber ligações de gente atrás desse homem. Nem lembrava mais disso. Ontem à tarde, porém, o celular tocou, eu atendi e… “Edmar?”. Revirei os olhos e minha voz feminina deu a dica. Edmar não estava nem estaria em momento algum. A pessoa se desculpou, eu respondi com um desanimado “não foi nada” e a vida seguiu.
Quem é Edmar? Do que vive? Onde vive? Por que tanta gente o procura? Por que ele e seus amigos não se renderam ao WhatsApp? Estará Edmar com o nome sujo na praça? Ou é podre de rico, do tipo que as pessoas recorrem por se acharem merecedoras de alguma ajudinha? Creio que eu jamais saberei a verdade.
Um dia, quando me der na telha, direi que o Edmar deu um pulo no mercado, esqueceu o celular em casa e perguntarei se a pessoa quer deixar recado. Anotarei nomes, telefones e jogarei tudo no Facebook, na esperança de que os recados cheguem ao Edmar certo e de que eu tenha um pouquinho de sossego.
O Edmar? No momento, ele não se encontra. Quer deixar recado?
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